Odeio você

Odeio como você me desarma e me deixa sem ação com tão pouco esforço.

Odeio como me olha de longe, fingindo que não está me olhando, fingindo que não percebeu que eu estava ali.

Odeio como seus pés parecem me seguir, fazendo com que nos encontremos tão frequentemente.

Odeio como meus olhos me desobedecem e sempre procuram os seus aonde quer que eu vá.

Odeio como eles sorriem embasbacados ao encontrá-lo e como choram calados sua falta.

Odeio lembrar que você não é meu.

Odeio ver você fugir de mim.

Odeio ter que assistir ao seu autocontrole perdurar incólume à minha presença.

Odeio não ser para você tudo o que você é para mim.

Odeio ter que aturar outros homens me querendo.

Odeio ser seu lugar-comum.

Odeio.

Oca

Você ouve o vazio gritando dentro de mim?
Percebe o desalento que ecoa aqui?

É tão parte de quem sou que é difícil dissociar
a minha persona dessa personificação do ansiar.

Aninhado no aconchego do meu ventre,
Eu tento acalmar o embrião,
Como faria a um filho,
Produto meu e da solidão.

Não adiantam as tentativas,
É impossível fazê-lo parar.
Parece que vai nascer sabendo as dores vociferar.

Eu me calo perante tamanho concerto
e me perco dentro do meu próprio medo.
Isolo, bloqueio, afasto o mundo de mim,
Embalada por esse melódico desespero sem fim.

Paradoxo

Não sou una, nunca fui.

Sou uma multiplicidade de mulheres
e todas elas confluem para dentro de mim.

Sou morada de seres invisíveis,
a inesperada materialização do etéreo.

Caos e ordem.
Certeza e dúvida.
Pureza e devassidão.

A que ri quando chora
e chora de tanto rir.

A desinteressada
que se percebe apaixonada
e se rende,
seguindo por aí pelo avesso:

Ossos, músculos,
veias, sangue e coração.
Exposto, vulnerável, entregue,
ao alcance das mãos.

A que se desespera por nada
e mantém a calma diante do mais
absurdo cenário.

Frieza e fervura.
Céu e inferno.
Verão e inverno.

Oxímoro.

Sou tudo. Todas. O tempo todo.

Meu singular é plural.

Eu transbordo

As coisas fluem para fora de mim com uma vazão inesperada.

Sou excesso.

De sentimentos,
De vontades,
De desejos,
De amor.

Fluem porque não cabem mais aqui dentro e, então, de novo, eu transbordo.

Sou desperdício.

De sentimentos,
De vontades,
De desejos,
De amor.

E no meu transbordar,
sou tsunami devastador,
desastre avassalador.

Apocalipse.