Identidade

Nomes?

Para quê?

Eu não sou a Bárbara, não.

Sou mais do que diz uma certidão de nascimento ou uma carteira de identidade.

Talvez seja bárbara para alguns.
Mas eu não caibo em carteiras,
nem em palavras.

Eu não me resumo a rótulos.

Sou uma mutação
e isso é culpa dos meus pais.

Sou o reflexo que vejo no espelho.

Sou o texto que escrevi,
o livro que li,
o filme a que assisti,
a música que escutei,
a comida que comi.

Sou o que você vê e o que você fala.

Sou isso.
Mas não só isso.

Sou também aquilo,
aquela,
ela,
eu.

Sou tanto que não sou nada.

Sou o agora,
o instante,
o presente.

O que já foi,
o que ainda vai ser,
eu não sou.

Sou um frame,
uma foto.
Uma fração de realidade,
um momento.

O que fui não sou mais,
é passado,
já foi.
Eu fui.

Eu sou por que você é e você é por que eu sou.

Sem você, eu não seria eu.

Sem você, eu seria outra para outros
ou nada para ninguém.

O que serei?
Não importa.
Não me importa.

Por que eu serei,
eu sei.

Serei cadáver,
serei pó,
serei poeira.

Cedo ou tarde.
Eu serei.

Oração da mulher bárbara

Não baixarei a cabeça, nem me calarei.

Não viverei em função de outrem.

Não me contentarei com a dependência, nem com a subordinação.

Não deixarei que me ditem o que vestir, o que falar ou como me comportar.

Serei sempre a responsável pelas minhas escolhas.

Farei de mim um templo e do meu ser, sagrado.

Amarei meu corpo e tudo o que ele representa até as últimas consequências.

Cuidarei da minha mente e a protegerei de todo o mal.

Amém.

Criação

Meus versos nascem de parto natural.

Primeiro as contrações.

Longas,
Poderosas,
Incrivelmente dolorosas.

Nelas, as ideias fervilham,
E as palavras dançam.

Meu corpo
se contorce no ritmo
de uma coreografia louca.

Inesperada.

Espasmo muscular
de contrações violentas.

Ginástica mental.

E eu me adapto, mudo.

Crio,
Refaço,
Desfaço.

E então nasce.

Enchendo meus olhos de orgulho
e minha mente de incredulidade.

Fui eu mesma quem pari?

Você

Incontáveis lembranças preenchem papéis rabiscados, amassados, jogados, perdem-se em vórtices de pensamentos nostálgicos.

Você.

Estilhaços de vidro cobrem parte do chão, pequenas poças adornam os lugares adjacentes. O cheiro de álcool é inconfundível. Tristeza e mágoa se camuflam no distinto odor.

Você.

Páginas e mais páginas de livros dançam pelos ares uma coreografia hipnotizante. Medo e dor permeiam todo o cômodo. É difícil respirar, impossível desviar o olhar.

Você.

Sons ininteligíveis cortam o ambiente de quando em vez, misturam-se a trechos aleatórios de músicas conhecidas. São trinta e dois anos de melodias entulhadas.

Você.

Um feixe luminoso descontínuo realça esparsas alegrias, abrilhanta raros momentos de orgulho e embeleza conquistas ainda insuficientes.

Você.

Você.

Você.

Na bagunça da minha mente, você é claramente o que há de inevitável.

B enditas sejam
A quelas que
R asgam o verbo,
B rilhantes mentes
A ntes confinadas,
R ealmente condenadas
A uma vida de submissão

Condicional

Escrevo porque existo.

Mas a vida só existe
Se escrevo.

É uma lista circular encadeada,
Uma ouroboros desgovernada
A me levar sempre do nada a lugar nenhum.

Assim permaneço
nesse ciclo onde não há começo
E onde não há fim.

Eternamente presa
em um continuuum
espaço-tempo.

Numa ilusão.

Minha escrita é reza,
É pedido emocionado,
É grito desesperado.

Eu uno letras como forma de oração.

Sim

Eu fugi.

O instinto me pegou nos braços e me carregou para longe de ti.

Não era mais possível lutar contra o pull gravitacional dos nossos corpos.

Fechei os olhos e me deixei levar.
Num movimento fluido, virei líquido.

Virei água.
Virei lágrima.

Soltei o nó e me desfiz.