Inconstância

Fugaz é o presente
que hoje existe e se faz, 
mas em outro dia se desfaz,
já não sendo mais aquilo que foi.

Efêmera sou eu

que hoje sou e estou, 

mas amanhã, 

quem sabe?


Transitória é a vida

que hoje brota por todos os lados,

mas ao mesmo tempo, 

em um piscar de olhos,

some, acaba, passa.


Nada é constante ad aeternum.


É a idiossincrasia do presente:

Eu passageira na vida finita.

Sobre mim

Observo minha imagem no espelho e lembro como costumava ser cruel comigo mesma, apontar cada falha, cada defeito. Costumava me esconder atrás das capas dos livros que lia, um artifício que ao mesmo tempo me escondia dos outros e me livrava do fardo que era ter que socializar. Introspecção é o mal que me persegue desde que me conheço por gente. Esse vício de me perder dentro de mim mesma é um dos poucos que nunca consegui largar.

Levanto meu olhar novamente. Sou uma mulher peculiar, tenho traços exóticos no rosto - olhos enormes que perturbam quando fixos e uma boca, talvez, carnuda demais - e carrego um corpo que chama atenção com tatuagens grandes e um corte de cabelo incomum.


Hoje exibo no exterior o que sempre senti. Sou única e mais, não pertenço a lugar algum. Não era como as crianças da minha idade, andava com os adultos e era com eles que perdia tempo com alguma conversa interessante. Tive e tenho problemas em encontrar pessoas compatíveis ou semelhantes. Até meus gostos são só meus.


Sabe, essa coisa de não pertencer me incomodava. Ainda me incomoda, aliás. Sinto como se fosse perfeitamente capaz de me adaptar a todo tipo de lugar e situação, mas que nenhum deles foi feito para mim, nenhum deles é suficiente, digamos assim. Como se eu tivesse e carregasse tanto aqui dentro que a vida - ou o mundo, o universo, o capeta, sei lá - considerasse demais. Trop, dizem os franceses. É isso que eu sou.


Luto diariamente contra uma depressão que advém dessa introspecção viciante e da melancolia inerente a ela. É necessário muito barulho e muita força bruta para me desviar desse caminho. A consequência disso é uma mulher que parece estar eternamente com raiva, que grita para que a escutem, que não aceita ser calada ou ignorada, nem ouve desaforo de ninguém.


Uma mulher que para se manter viva e funcional, resolveu se derramar, seja por voz ou por texto, que perdeu o filtro de si mesma e bota mesmo tudo para fora. Uma mulher que deixou em algum lugar o conceito de vergonha e abandonou o medo atrás da porta. Uma mulher que encara na unha muito homem maior do que ela. Sim, uma mulher que assusta e inspira, tudo ao mesmo tempo.

Ser mulher

para mim
é
 ser Deusa

é ser dona de mim

e rainha das minhas vontades


é nunca calar meus desejos

e jamais ter vergonha deles


é me orgulhar da minha nudez,

dos meus seios pequenos,

da minha cintura fina,

da minha bunda grande,

das minhas coxas grossas


é ter você aos meus pés,

a me adorar, 

a me beijar, 

a me amar,

plantando poesia em mim

com as mãos e o corpo

sujo,

suado, 

exausto, 

satisfeito


é querer ver o fogo que emana de mim

espelhado nos olhos seus


é ser sua na cama,

no carro, na rua, na lama

e onde mais eu quiser


é ser sujeito ativo e lúbrico

e também objeto da carnalidade


é ser tudo,

é ser sempre.

Sem nome

O que cresce em minhas entranhas permanece inominado. Pesa meu caminhar, impede meu sorrir e mata qualquer manifestação do sonhar. O amor que nutri por ti hoje definha, a vida escorre por dois olhos assustados. À conta-gotas. Dia após dia. O que resta em meu ventre é fruto da agrura causada pelo teu desdém. Estou grávida do mal que me fizeste e não parece haver contrações suficientes em meu corpo que me esvaziem completamente de ti.

Desabafo

Pensei em te ligar, mas me faltou coragem. Coragem, acredita? Logo eu! Quando olhei o relógio, já havia passado horas. Estou começando a ficar preocupada com a minha sanidade. Sabe por quê? Porque queria te ligar só para ouvir tua voz. Na verdade, não. Tua respiração. Queria apenas te sentir perto, é isso. Queria me iludir mais um pouco, só um pouquinho mais. Essa sensação esquisita de falta. Falta um pedaço, falta o inteiro, falta tudo. Na sala, no corredor, no meu quarto. Só tem vazio. Nos meus olhos, nos meus lábios, nos meus gestos. Só tem silêncio. Eu não sei, não quero saber o que é isso. Não quero pensar, não agora. Não, por favor. Pensar só me machuca. Pensar não me faz a mais otimista e feliz das mulheres. Pensar é uma maldição. Quero que a minha racionalidade suma. Quero ser burra. Quero ser só emoção. Quero a tua leveza pra mim. Por mais que não saiba, eu quero. Por mais que não valha a pena, eu tento. Eu quero tentar. Me deixa tentar? Ah, se soubesses tudo o que se passa aqui dentro! Os pensamentos que me vêm, as vontades que me surgem, as raivas, as dores, as tristezas. Ando tentando não vomitar mais nada na cara de ninguém. Quem gosta de pessoas assim, insuportavelmente verdadeiras? O negócio é viver tudo internamente. Por mais que as aparências sejam falsas e inúteis. É assim que se vive, é assim que se deve viver. Eu só queria poder dizer, poder gritar aos quatro ventos o que está entalado aqui ó, na minha garganta. Por que está me fazendo mal, estou ficando doente. Quando a limite do tolerável é ultrapassado, aí, aí não vai ter mais volta. Aí só deixando de viver nessa realidade escrota. Tão falsamente risonha. Tão... assassinável. Quer saber? Pouco me importa isso tudo, foda-se todo o resto! Tudo isso para falar de amor? Eu sei, é patético... mas é a verdade, tudo isso só para falar da porra do amor. Por quê? Porque eu te amo. Assim, simples: eu te amo. E tenho te amado com um amor mudo esse tempo todo, tenho me autoflagelado, automutilado, me degustado no maior estilo canibalista de ser. Pronto, falei.

Fecha os olhos

Sente.

Nossos corpos

respiram juntos 

o mesmo ar.


Suspira.


É a língua do amor

que me interessa.


Esquece o resto.


Nada existe além de mim.


De nós.

Daqui.

Do agora.


Nada importa além dessa harmônica sinfonia dos sentidos.


Olha para mim.


Vem encontrar seu caminho aqui dentro.


No âmago de tudo que me constitui.


No fundo, no cerne, no centro.


A essência que você prova, aprova

e sempre volta implorando por mais.

Bárbara

Adjetivo biforme simples.
Substantivo primitivo próprio e comum.
Feminino.
Singular.

Não, diverso.
Melhor, múltiplo.

Sem freio, floreio, beleza ou canção.
Sem gosto, apetite, talento ou tesão.

Uma grande piada.
Utopia, suposição.

Delírio. Devaneio. Desvario.
Pateta, perdida, absurda.
Louca.

Sem pé nem cabeça, coitada.

A arte de ser

O exercício de olhar para dentro de mim mesma tem que ser diário.

Perceber o quão forte é toda a intensidade que guardo, o quão bonita é a poesia que corre pelas minhas veias, carregada pelas hemácias do meu sangue, oxigenando cada canto do meu corpo com a fonética das minhas palavras mais belas.

Eu sou arte.

Esse conjunto de células, tecidos, órgãos e sistemas que me permite estar aqui, viva, forte, teimosamente em pé e funcionando.

A constante viagem interior, essa introversão que me acompanha, que me define desde muito nova, é a benção e a maldição de uma vida inteira.

Mas hoje, especialmente hoje, ela é um dos meus maiores motivos de orgulho.

E que se foda quem pensar diferente.

Eu sei exatamente quem sou e me admiro por conseguir ser essa enormidade toda, apesar de tudo, apesar dos pesares. Tenho orgulho das minhas ideias, de ser capaz de defendê-las, sem medo e com argumentos próprios, bem ponderados, analisados, filtrados e constantemente criticados por mim mesma.

Estou sempre mudando, em uma eterna evolução, como deve ser. Sem medo de errar, sem medo de admitir meus próprios erros, com humildade suficiente para pedir desculpas e seguir em frente, eternamente em busca da minha melhor versão.

A vida requer que sejamos verdadeiras metamorfoses ambulantes, o processo de lapidação de nossos eus é infinito e eu não canso de esculpir, de aprimorar, de aperfeiçoar essa arte singular que é ser Bárbara.

Imperativo

Recita

Os versos que dedilhas nas missões delongadas pelos recantos cobertos do meu corpo.

Exercita

Teu direito de bandeirante nos recônditos de minha alma, nas partes laboriosamente ocultas do meu ser.

Fagocita

Cada centímetro do meu eu(-lírico) na metalinguagem selvagem das estrofes, na métrica abstrata da cadência dos meus quadris.

Incita

O desejo há muito tempo esquecido aqui dentro, perdido, descartado, aprisionado próximo ao eixo central que me suporta.

Excita

A epiderme dormente que reveste a carne outrora exposta de tão viva, metaforicamente acesa nas entrelinhas dos meus poros em chamas.

Confinamento

Estou só.

A verbalização do óbvio
parece mais cruel que o pensamento.

Mas não é.

A verdade é que sou minha melhor companhia
e saborear a pungência do meu ser
é libertador.

Sim, falar com minhas entranhas é um processo solitário e essa leitura em braille do meu corpo dói.

Encarar minhas imperfeições é desagradável, especialmente se elas gritam em minha direção ao mais fugaz dos olhares meus.

Encontrar perfeição em cada uma delas é mais do que um alívio, é uma lição.

Nesses meses mergulhada no breu, vou transformando minha solidão na mais prazerosa e rara solitude.

Cosmogênese

A nuvem da tua boca é algodão doce no meu céu.

A caverna ignota a ser explorada pela espaçonave da minha língua é recheada de astros da tua celestial abóbada.

Esse meu músculo doce e gentil
é ousado na insistência da conquista
e na dança
- ora em dupla, ora solitária -
que saliva,
traçando os nossos caminhos,
desenhando os passos de uma
coreografia improvisada,
totalmente ritmada,

Sagrada.

Os movimentos musculares
tropeçam em uma miríade de constelações
- nossas constelações -
inventam mitos e estórias para cada uma delas,
mapeando, nomeando, desenhando
estrelas e objetos celestiais.

Matéria e antimatéria,
barro e costela,
à nossa imagem e semelhança.

Em um único e longo beijo,
eternizamos com saliva nossos nomes divinais.

Produzimos e observamos hipnotizados
a seiva que nos forma e nos torna,
naquele frame de segundo,
naquele instante,
seres imortais.

Atração

Há um je ne sais quoi entre nós dois.

O ar nos une
física e intelectualmente,
com a força de mil Newtons.

Consegues sentir
a pressão sem mãos
que nos propele
um em direção ao outro?

O empuxo provocado
por nossos corpos
que faz a minha vida
transbordar na tua,
assim, a todo tempo?
assim, sempre?

Às vezes tu me derrubas, tu sabes.

Às vezes eu te afogo em palavras, eu sei.

Palavras.
As minhas palavras,
as minhas filhas.

Elas são armas perigosas
em minha boca, em meus dedos.
Escritas em uma tela de celular
ou em um pedaço de papel.

É preciso savoir faire para pari-las
e ainda conquistar esse estreito caminho
que me resta no caminhar ao teu lado.

E a dúvida permanece.

São elas, as palavras, que te atraem a mim
ou tu ainda queres a aproximação
apesar de lê-las?

Apesar de tê-las?

Apesar de mim?

Limbo

Não lembro a última vez que me olhei no espelho e me reconheci.

A última vez que tive orgulho da figura tão bem desenhada diante de mim.

Não sei quem é a mulher cansada que hoje me retorna o olhar. Tenho nojo dela.

A mulher destruída que mal tem forças para aguentar me olhar de volta por muito tempo.

Em que canto de mim mesma me perdi e esqueci como se vive?

Em qual esquina da vida me deitei por tanto tempo que minhas pernas desaprenderam a andar?

Chore

Deixe que doa quando tudo parecer perdido e nada mais fizer sentido.

Chore.

Bote para fora qualquer coisa ruim que estiver aí dentro.

Chore.

Desamarre esse fardo que tenta impedir seu caminhar.

E então levante a cabeça.

Sorria.

Encare o mundo de frente.

Sem medo.

Você é maior do que tudo isso.

Você é forte.

Você é capaz.

Efêmera

Ter a efemeridade da vida esfregada em meu rosto me atordoa tanto quanto me faz salivar. Fico instantaneamente com fome de tudo: das coisas mais banais às mais sofisticadas. Quero amar mais, desejar mais, sentir mais, abraçar mais, viajar mais, aproveitar mais os meus amigos, aprender mais, ensinar mais, ajudar mais. O tempo urge e eu canso de me sentir inerte.

Vem me consumir, vida, 
vem me sufocar, 
antes que a morte me apague de tudo, 
antes que todo o mundo esqueça de mim.

Paraquedas

Perdi as contas da quantidade de vezes que duvidei de mim, da minha capacidade, da minha força, da minha força de vontade, das minhas qualidades, de tudo que é necessário possuir nessa batalha incessante que é viver.

Já desperdicei vida, já escolhi me esconder, já joguei fora oportunidades valiosas por medo ou, pior, por vergonha de ser quem sou.

Quando fui capaz de abraçar minha essência e tudo aquilo que me representa - meus defeitos e todas as minhas imperfeições. Quando resolvi que ser quem sou é um presente e não uma maldição, me joguei do céu a 12 mil pés de altura.

Fui dona do meu próprio destino.

Assumi minhas escolhas, no sucesso e também no fracasso.

Tomei as rédeas da minha vida e tracei meu percurso enquanto desfrutava da proteção do paraquedas, da companhia dos meus amigos, do torpor do álcool.

Saber viver é amadurecer com parcimônia e sapiência.

Chega de culpar outrem pelos meus erros e vibrar sozinha apenas nas vitórias.

Hoje eu vibro por estar viva.

Vibro por ter encontrado a Bárbara escondida dentro de mim, longe das opiniões alheias, das críticas nada construtivas e da pressão social.

No auge dos meus quase-trinta-e-três-anos, eu grito:

Foda-se!

É lindo ser quem sou.

Bilíngue

Dá-me licença, poesia,
Parce qu’aujourd’hui je veux tout ce que tu as.

Je veux tua magia,
ton élégance et ta grâce,
tua hemorragia,
ton intensité et ton embrasse.
tua verborragia,
ta sincérité et ton audace.

Hoje o que le monde me demande est trop
e eu preciso me esconder, parar para respirar.

J’ai besoin d’un papier et d’un stylo rétro
para que eu possa as palavras engolidas vomitar.

Et maintenant je tenho a ajuda de deux langues exquises:

Les français et sa sensualité romantique
e o português com suas palavras em dique.

Je veux les libérer!

Que a construção rache
e que corrente de palavras possa fluir!

Alors, écris, petite libellule
et laisse les mots voler avec toi.

À un destin n’importe quoi!

Das lições da vida

Seja flexível:
Conseguir ir
até onde
normalmente não se vai.

Seja amor:
Abraçar seu
universo particular
com todos os seus pormenores
Porque ele é seu, seu e de mais ninguém.

Seja você:
E ter orgulho de quem se é.
Sem máscaras, sem fingimentos,
nua e livre de efeitos especiais.
Mostrando a singularidade daquilo
que faz de você indivíduo diante do mundo,
ainda que, simultaneamente, partícula solta na enormidade do cosmos.

Poética

Ora (direis) não gostar da poesia!
Tresloucado amigo,
de certo, perdeste o senso.

Como ousa dizer que os desenhos da linguagem poética são cansativos?

Que sentido tem o que dizes se nunca paraste para lê-la?
Se nunca permitiste se perder nas entrelinhas, no meio das pernas, enterrado entre as coxas da poesia?

E então, com sabedoria vou digo:

Ousai para entendê-la! Pois só quem ousa é capaz de, enfim, sentir e entender o que ela provoca em mim.

Compasso

Me estraga
me traga,
e me rasga.

Me arranha
e me ganha.

Na manha,
me lambe,
me morde
e me fode.

Trilha meu corpo como um mapa.

Me explora.
Rompe as barreiras.

Me descobre
e redescobre.

Me cheira
e me queira.

Me beija.

Com força
e leve
e com força
e leve.

De novo
e de novo.

Rápido
e lento
e rápido
e lento.

No ritmo frenético
da bússola
que guia
e aponta.
Que explode
e implode.

O meu corpo
é território para desbravar
e explorar
e conhecer.

E nessa troca, se reconhecer
para me encontrar
e para eu me perder

De novo
e de novo. 

Eu

Pronome pessoal do caso reto,
não, curvo,
melhor, torto.

Sem jeito, juízo, destino ou razão.
Sem nexo, sentido, governo ou visão.

Impossível, idiota, inseguro, insensato.

Sem real utilidade, verdadeira ilusão.
Quimera, obsessão.
Obcecado, doente, fingido, ferido,
Morto.

Caiu em desuso, coitado.

Vício

Você, o vinho, a poesia e a virtude

Aqui,
nessa página desatualizada e insignificante,
perdida entre tantas outras páginas parecidas dessa Internet.

Aqui,
no meio de todas essas palavras bagunçadas,
jogadas por lá,
arranjadas de cá,
rearranjadas dali,
alocadas por mim.

Aqui, sim.

Aqui, você é meu.

Você, o vinho, a poesia e a virtude.
Tudo meu.

E, à la Baudelaire, eu me embebedo.

Não importa se ainda me quer.
(ou se um dia de fato e verdadeiramente me quis)

Não importa se tem alguém.
(ou se nunca cogitou a possibilidade de vivermos algo juntos)

Não importa se não há mais contato.
(ou se o rosto olha em outra direção quando, por alguma razão e até mesmo sem vê-lo, me aproximo)

Nada importa além do silêncio.


Em meio ao turbilhão que carrego aqui dentro, minha mudez alcança volumes aonde palavra proferida alguma jamais chegará.

Verbal

Quero fazer de ti córrego
por onde minhas palavras correm soltas.
São fluidas, líquidas, correntes.
Nada banais e tão potentes
que te moldam na vazão da minha escrita.

Talho teus contornos no fluxo da poesia
navego-te no agito do presente
e ao sabor do indicativo.

No escoar da gramática,
vejo na língua nossa mágica
e te aclamo na pontuação,
na coroação,
no verso final:

Tu és minha conjugação do mais-que-perfeito.

Masterpiece

De repente você se percebe arte e tudo muda.

Sua voz é canção, seu sotaque melodia.
A entonação e cadência da sua verdade ditam os compassos de uma composição singular.

Você é seu opus primeiro.

Sua pele, papel raro e incomum.
Abriga marcas, letras e imagens, que contam em detalhes a sua história.

Você é sua mais valiosa edição.

Seus cabelos emolduram o retrato renascentista que compõe seu rosto. Seu sorriso contém mais mistérios que o da própria Gioconda.

Você é obra-prima de si mesma.

Eu me apaixonei por uma mulher

Os cabelos curtos, os olhos enormes, daqueles que tomam quase o rosto inteiro, boca carnuda e estilo exótico. Estranho, único, singular.

As tatuagens que a adornavam eram meros detalhes, serviam como indícios de sua personalidade, um convite para um passeio no mundo fantástico que era só dela.

Pouco importava se ela era uma grande mistura de coisas que antes considerava imiscíveis ou se eu não entendia como a tristeza que irradiava de seus olhos era compatível com a sexualidade pulsante que seu corpo emitia.

Tão menina e ao mesmo tempo tão mulher. Frágil, sensível e dengosa, mas forte, determinada e guerreira. Não importa o tamanho do muro que tenha construído para se proteger, ainda é visível todo o sentimento do mundo que carrega dentro de si.

Engraçado como não a tinha notado antes ou será que não queria notá-la? Não conseguia? Estava cega, talvez.

Seu jeito de olhar para baixo enquanto ri um sorriso tímido, de canto de boca, é extremamente cativante. Assim como seu impulso de usar uma roupa colada e se maquiar em um dia e no outro, estar com roupas largas e sem um pingo de tinta no rosto. Um comportamento quase bipolar.

De tanto observar, já notei que ela tem uma coleção de tiques. Um revirar de olhos inconsciente, um morder de dedos compulsivo e até os suspiros que emite quando falta paciência.

Os mil e quatrocentos livros de sua estante falam mais alto do que ela jamais poderia e variam de um clássico infantil ao mais picante e controverso título da literatura erótica.

Acho incrível como ela consegue amar matemática, física, filosofia e história, tudo ao mesmo tempo. Sem falar nas línguas, é amante do português ao inglês, passando pelo francês e se demorando.

Descobri que adoro passar tempo sozinha com ela e me amarro na determinação que ela tem de não se entregar a rótulos e não permitir que a limitem de forma alguma.

Com ela me sinto livre, como se finalmente em paz com tudo que sou e tudo que ela me permite ser.

Quando eu me apaixonei por essa mulher, senti na pele o que é o amor de verdade.

Sim, eu me apaixonei por uma mulher.

E essa mulher sou eu.

Expulsão

Essas palavras que deixo aqui e ali,
Essas frases perdidas em meus cadernos,
Nas escassas postagens das minhas redes sociais,
Nenhuma delas será em vão.

Jamais.

Não.

E eu sei.

Sei que elas nunca chegarão até você,
Sei que mesmo que se exibissem,
se se expusessem ao seu duro julgamento,
Não fariam diferença alguma,
Não fariam nascer qualquer fagulha de sentimento.

Mas ainda assim escrevo.

Simplesmente o faço para me livrar disso tudo,
Jogar fora o excesso do que sinto.

Escrevo para que o amor escoe,
Para que o tempo voe.

Escrevo com a esperança infantil de exorcizar você da minha mente,
Expulsar você para sempre do meu surrado coração.

Contagem regressiva

Dez.
Você olhou para trás e admirou a trajetória desenhada por seus pés ao longo do ano?


Nove.
Percebeu o quão valioso é ter conseguido chegar até aqui e ainda encontrar forças para persistir?


Oito.
Uma vez fora do repouso, abraçou a inércia com medo de voltar à origem dos tempos novamente?


Sete.
Eu sim e apesar de não estar satisfeita com a minha posição neste instante, sei que é nas extremidades do continuum que as coisas se diferem.


Seis.
Mesmo que o referencial de outrem faça do meu movimento um repouso.


Cinco.
Mesmo que o caos instaurado ao meu redor drene a minha energia vital.


Quatro.
Mesmo com as perdas lancinantes e com o rosto molhado pelas lágrimas vertidas.


Três.
Mesmo que por isso meus olhos não consigam mais enxergar um palmo à minha frente.


Dois.
Continuo em frente. Mãos estendidas a tatear o desconhecido.


Um.
Se amanhã caio no abismo, a queda livre, a epítome da liberdade, será meu derradeiro ato.


E no fechar das cortinas,
no apagar das luzes,
terei a certeza que o fim é apenas um recomeço,
uma oportunidade para o apreço
nos aplausos finais.