Masterpiece

De repente você se percebe arte e tudo muda.

Sua voz é canção, seu sotaque melodia.
A entonação e cadência da sua verdade ditam os compassos de uma composição singular.

Você é seu opus primeiro.

Sua pele, papel raro e incomum.
Abriga marcas, letras e imagens, que contam em detalhes a sua história.

Você é sua mais valiosa edição.

Seus cabelos emolduram o retrato renascentista que compõe seu rosto. Seu sorriso contém mais mistérios que o da própria Gioconda.

Você é obra-prima de si mesma.

Eu me apaixonei por uma mulher

Os cabelos curtos, os olhos enormes, daqueles que tomam quase o rosto inteiro, boca carnuda e estilo exótico. Estranho, único, singular.

As tatuagens que a adornavam eram meros detalhes, serviam como indícios de sua personalidade, um convite para um passeio no mundo fantástico que era só dela.

Pouco importava se ela era uma grande mistura de coisas que antes considerava imiscíveis ou se eu não entendia como a tristeza que irradiava de seus olhos era compatível com a sexualidade pulsante que seu corpo emitia.

Tão menina e ao mesmo tempo tão mulher. Frágil, sensível e dengosa, mas forte, determinada e guerreira. Não importa o tamanho do muro que tenha construído para se proteger, ainda é visível todo o sentimento do mundo que carrega dentro de si.

Engraçado como não a tinha notado antes ou será que não queria notá-la? Não conseguia? Estava cega, talvez.

Seu jeito de olhar para baixo enquanto ri um sorriso tímido, de canto de boca, é extremamente cativante. Assim como seu impulso de usar uma roupa colada e se maquiar em um dia e no outro, estar com roupas largas e sem um pingo de tinta no rosto. Um comportamento quase bipolar.

De tanto observar, já notei que ela tem uma coleção de tiques. Um revirar de olhos inconsciente, um morder de dedos compulsivo e até os suspiros que emite quando falta paciência.

Os mil e quatrocentos livros de sua estante falam mais alto do que ela jamais poderia e variam de um clássico infantil ao mais picante e controverso título da literatura erótica.

Acho incrível como ela consegue amar matemática, física, filosofia e história, tudo ao mesmo tempo. Sem falar nas línguas, é amante do português ao inglês, passando pelo francês e se demorando.

Descobri que adoro passar tempo sozinha com ela e me amarro na determinação que ela tem de não se entregar a rótulos e não permitir que a limitem de forma alguma.

Com ela me sinto livre, como se finalmente em paz com tudo que sou e tudo que ela me permite ser.

Quando eu me apaixonei por essa mulher, senti na pele o que é o amor de verdade.

Sim, eu me apaixonei por uma mulher.

E essa mulher sou eu.

Expulsão

Essas palavras que deixo aqui e ali,
Essas frases perdidas em meus cadernos,
Nas escassas postagens das minhas redes sociais,
Nenhuma delas será em vão.

Jamais.

Não.

E eu sei.

Sei que elas nunca chegarão até você,
Sei que mesmo que se exibissem,
se se expusessem ao seu duro julgamento,
Não fariam diferença alguma,
Não fariam nascer qualquer fagulha de sentimento.

Mas ainda assim escrevo.

Simplesmente o faço para me livrar disso tudo,
Jogar fora o excesso do que sinto.

Escrevo para que o amor escoe,
Para que o tempo voe.

Escrevo com a esperança infantil de exorcizar você da minha mente,
Expulsar você para sempre do meu surrado coração.

Contagem regressiva

Dez.
Você olhou para trás e admirou a trajetória desenhada por seus pés ao longo do ano?


Nove.
Percebeu o quão valioso é ter conseguido chegar até aqui e ainda encontrar forças para persistir?


Oito.
Uma vez fora do repouso, abraçou a inércia com medo de voltar à origem dos tempos novamente?


Sete.
Eu sim e apesar de não estar satisfeita com a minha posição neste instante, sei que é nas extremidades do continuum que as coisas se diferem.


Seis.
Mesmo que o referencial de outrem faça do meu movimento um repouso.


Cinco.
Mesmo que o caos instaurado ao meu redor drene a minha energia vital.


Quatro.
Mesmo com as perdas lancinantes e com o rosto molhado pelas lágrimas vertidas.


Três.
Mesmo que por isso meus olhos não consigam mais enxergar um palmo à minha frente.


Dois.
Continuo em frente. Mãos estendidas a tatear o desconhecido.


Um.
Se amanhã caio no abismo, a queda livre, a epítome da liberdade, será meu derradeiro ato.


E no fechar das cortinas,
no apagar das luzes,
terei a certeza que o fim é apenas um recomeço,
uma oportunidade para o apreço
nos aplausos finais.