Compasso

Me estraga
me traga,
e me rasga.

Me arranha
e me ganha.

Na manha,
me lambe,
me morde
e me fode.

Trilha meu corpo como um mapa.

Me explora.
Rompe as barreiras.

Me descobre
e redescobre.

Me cheira
e me queira.

Me beija.

Com força
e leve
e com força
e leve.

De novo
e de novo.

Rápido
e lento
e rápido
e lento.

No ritmo frenético
da bússola
que guia
e aponta.
Que explode
e implode.

O meu corpo
é território para desbravar
e explorar
e conhecer.

E nessa troca, se reconhecer
para me encontrar
e para eu me perder

De novo
e de novo. 

Eu

Pronome pessoal do caso reto,
não, curvo,
melhor, torto.

Sem jeito, juízo, destino ou razão.
Sem nexo, sentido, governo ou visão.

Impossível, idiota, inseguro, insensato.

Sem real utilidade, verdadeira ilusão.
Quimera, obsessão.
Obcecado, doente, fingido, ferido,
Morto.

Caiu em desuso, coitado.

Vício

Você, o vinho, a poesia e a virtude

Aqui,
nessa página desatualizada e insignificante,
perdida entre tantas outras páginas parecidas dessa Internet.

Aqui,
no meio de todas essas palavras bagunçadas,
jogadas por lá,
arranjadas de cá,
rearranjadas dali,
alocadas por mim.

Aqui, sim.

Aqui, você é meu.

Você, o vinho, a poesia e a virtude.
Tudo meu.

E, à la Baudelaire, eu me embebedo.

Não importa se ainda me quer.
(ou se um dia de fato e verdadeiramente me quis)

Não importa se tem alguém.
(ou se nunca cogitou a possibilidade de vivermos algo juntos)

Não importa se não há mais contato.
(ou se o rosto olha em outra direção quando, por alguma razão e até mesmo sem vê-lo, me aproximo)

Nada importa além do silêncio.


Em meio ao turbilhão que carrego aqui dentro, minha mudez alcança volumes aonde palavra proferida alguma jamais chegará.

Verbal

Quero fazer de ti córrego
por onde minhas palavras correm soltas.
São fluidas, líquidas, correntes.
Nada banais e tão potentes
que te moldam na vazão da minha escrita.

Talho teus contornos no fluxo da poesia
navego-te no agito do presente
e ao sabor do indicativo.

No escoar da gramática,
vejo na língua nossa mágica
e te aclamo na pontuação,
na coroação,
no verso final:

Tu és minha conjugação do mais-que-perfeito.