Imperativo

Recita

Os versos que dedilhas nas missões delongadas pelos recantos cobertos do meu corpo.

Exercita

Teu direito de bandeirante nos recônditos de minha alma, nas partes laboriosamente ocultas do meu ser.

Fagocita

Cada centímetro do meu eu(-lírico) na metalinguagem selvagem das estrofes, na métrica abstrata da cadência dos meus quadris.

Incita

O desejo há muito tempo esquecido aqui dentro, perdido, descartado, aprisionado próximo ao eixo central que me suporta.

Excita

A epiderme dormente que reveste a carne outrora exposta de tão viva, metaforicamente acesa nas entrelinhas dos meus poros em chamas.

Confinamento

Estou só.

A verbalização do óbvio
parece mais cruel que o pensamento.

Mas não é.

A verdade é que sou minha melhor companhia
e saborear a pungência do meu ser
é libertador.

Sim, falar com minhas entranhas é um processo solitário e essa leitura em braille do meu corpo dói.

Encarar minhas imperfeições é desagradável, especialmente se elas gritam em minha direção ao mais fugaz dos olhares meus.

Encontrar perfeição em cada uma delas é mais do que um alívio, é uma lição.

Nesses meses mergulhada no breu, vou transformando minha solidão na mais prazerosa e rara solitude.

Cosmogênese

A nuvem da tua boca é algodão doce no meu céu.

A caverna ignota a ser explorada pela espaçonave da minha língua é recheada de astros da tua celestial abóbada.

Esse meu músculo doce e gentil
é ousado na insistência da conquista
e na dança
- ora em dupla, ora solitária -
que saliva,
traçando os nossos caminhos,
desenhando os passos de uma
coreografia improvisada,
totalmente ritmada,

Sagrada.

Os movimentos musculares
tropeçam em uma miríade de constelações
- nossas constelações -
inventam mitos e estórias para cada uma delas,
mapeando, nomeando, desenhando
estrelas e objetos celestiais.

Matéria e antimatéria,
barro e costela,
à nossa imagem e semelhança.

Em um único e longo beijo,
eternizamos com saliva nossos nomes divinais.

Produzimos e observamos hipnotizados
a seiva que nos forma e nos torna,
naquele frame de segundo,
naquele instante,
seres imortais.

Atração

Há um je ne sais quoi entre nós dois.

O ar nos une
física e intelectualmente,
com a força de mil Newtons.

Consegues sentir
a pressão sem mãos
que nos propele
um em direção ao outro?

O empuxo provocado
por nossos corpos
que faz a minha vida
transbordar na tua,
assim, a todo tempo?
assim, sempre?

Às vezes tu me derrubas, tu sabes.

Às vezes eu te afogo em palavras, eu sei.

Palavras.
As minhas palavras,
as minhas filhas.

Elas são armas perigosas
em minha boca, em meus dedos.
Escritas em uma tela de celular
ou em um pedaço de papel.

É preciso savoir faire para pari-las
e ainda conquistar esse estreito caminho
que me resta no caminhar ao teu lado.

E a dúvida permanece.

São elas, as palavras, que te atraem a mim
ou tu ainda queres a aproximação
apesar de lê-las?

Apesar de tê-las?

Apesar de mim?

Limbo

Não lembro a última vez que me olhei no espelho e me reconheci.

A última vez que tive orgulho da figura tão bem desenhada diante de mim.

Não sei quem é a mulher cansada que hoje me retorna o olhar. Tenho nojo dela.

A mulher destruída que mal tem forças para aguentar me olhar de volta por muito tempo.

Em que canto de mim mesma me perdi e esqueci como se vive?

Em qual esquina da vida me deitei por tanto tempo que minhas pernas desaprenderam a andar?

Chore

Deixe que doa quando tudo parecer perdido e nada mais fizer sentido.

Chore.

Bote para fora qualquer coisa ruim que estiver aí dentro.

Chore.

Desamarre esse fardo que tenta impedir seu caminhar.

E então levante a cabeça.

Sorria.

Encare o mundo de frente.

Sem medo.

Você é maior do que tudo isso.

Você é forte.

Você é capaz.