Observo minha imagem no espelho e lembro como costumava ser cruel comigo mesma, apontar cada falha, cada defeito. Costumava me esconder atrás das capas dos livros que lia, um artifício que ao mesmo tempo me escondia dos outros e me livrava do fardo que era ter que socializar. Introspecção é o mal que me persegue desde que me conheço por gente. Esse vício de me perder dentro de mim mesma é um dos poucos que nunca consegui largar.
Levanto meu olhar novamente. Sou uma mulher peculiar, tenho traços exóticos no rosto - olhos enormes que perturbam quando fixos e uma boca, talvez, carnuda demais - e carrego um corpo que chama atenção com tatuagens grandes e um corte de cabelo incomum.
Hoje exibo no exterior o que sempre senti. Sou única e mais, não pertenço a lugar algum. Não era como as crianças da minha idade, andava com os adultos e era com eles que perdia tempo com alguma conversa interessante. Tive e tenho problemas em encontrar pessoas compatíveis ou semelhantes. Até meus gostos são só meus.
Sabe, essa coisa de não pertencer me incomodava. Ainda me incomoda, aliás. Sinto como se fosse perfeitamente capaz de me adaptar a todo tipo de lugar e situação, mas que nenhum deles foi feito para mim, nenhum deles é suficiente, digamos assim. Como se eu tivesse e carregasse tanto aqui dentro que a vida - ou o mundo, o universo, o capeta, sei lá - considerasse demais. Trop, dizem os franceses. É isso que eu sou.
Luto diariamente contra uma depressão que advém dessa introspecção viciante e da melancolia inerente a ela. É necessário muito barulho e muita força bruta para me desviar desse caminho. A consequência disso é uma mulher que parece estar eternamente com raiva, que grita para que a escutem, que não aceita ser calada ou ignorada, nem ouve desaforo de ninguém.
Uma mulher que para se manter viva e funcional, resolveu se derramar, seja por voz ou por texto, que perdeu o filtro de si mesma e bota mesmo tudo para fora. Uma mulher que deixou em algum lugar o conceito de vergonha e abandonou o medo atrás da porta. Uma mulher que encara na unha muito homem maior do que ela. Sim, uma mulher que assusta e inspira, tudo ao mesmo tempo.